Postagens

Mostrando postagens de junho, 2012

Faz de conta - Clarice Lispector

Imagem
"Do coração contraído veio o tremor gigantesco duma forte dor abalada, do corpo todo o abalo — e em sutis caretas de rosto e de corpo afinal com a dificuldade de um petróleo rasgando a terra — veio afinal o grande choro seco, choro mudo sem som algum até para ela mesma, aquele que ela não havia adivinhado, aquele que não quisera jamais e não previra — sacudida como a árvore forte que é mais profundamente abalada que a árvore frágil — afinal rebentados canos e veias, então sentou-se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de cont

Dormindo sempre juntos, na mesma hora -Carpinejar

Imagem
Q uando sua companhia se levanta, rola para cheirar o travesseiro dela?  Você é apaixonado por dividir, desculpe informar.  É constrangedor confessar a dependência, mas não resta alternativa. Nunca será mais sozinho. É uma simbiose amorosa por dentro das lembranças, dos hábitos, que surge no modo de repartir uma tangerina e pôr o açúcar no café. Uma necessidade de primeiro servir para depois saciar as próprias ansiedades. Entregou os pontos ao abandonar seu horário para dormir. Renunciou ao livre-arbítrio no momento de atender ao chamado sedutor de sua esposa.  - É tarde, te espero?  Aquela desistência foi fatal. Pode ter classificado o gesto como uma exceção, só que gostou de verdade, gostou imensamente de adormecer com sua mulher. Ambos apagando o abajur em igual instante, depois de ler, de rir, de brincar. Sincronizaram o relógio dos batimentos cardíacos e nunca houve mais atraso de beijo. Amor eterno é quando um não consegue mai

REALPOLITIKAGEM, por Luis Fernando Veríssimo

Imagem
                                                                                    Charge: Bira     "Realpolitik" é um termo conveniente para desculpar o baixo oportunismo, contradições ideológicas e calhordice em geral. O termo nasceu na Alemanha e tem uma longa história, sendo invocado sempre que um acordo ou um arranjo politico agride o bom-senso ou a moral. Há uma graduação na "realpolitik" que vai do tolerável (uma acomodação com o vizinho do lado para assegurar a paz no prédio, mesmo tendo que aceitar o cachorro) ao indefensável (o pacto Stalin/Hitler no começo da Segunda Guerra Mundial, por exemplo). É difícil saber onde colocar o pacto Lula/Maluf nessa escala. O hipotético acordo com o vizinho é um sacrifício pelo entendimento e o Stalin estava tentando ganhar tempo até ter um exército. No acordo com o Maluf trocou-se uma história e uma coerência por um minuto e pouco a mais de espaço para o candidato do PT na TV. Ó Lula!

Charge do dia- Aroeira

Imagem

Marcelo Freixo, do PSOL, lança candidatura à prefeitura do Rio

Imagem
Moro em Campos-RJ, e aqui as opções para voto em outubro são escassas. Normal nessa cidade, infelizmente. O candidato dos meus sonhos mora no Rio. É esse cara aí de cima ao lado de Wagner Moura. E lancou sua candidatura hoje com o apoio de boa parte da classe artística, como se vê no texto abaixo: "O deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL, inspirou, no cinema, o deputado Diogo Fraga, personagem que elabora, em Tropa de Elite 2, o “dossiê das milícias”. Chegou a hora de a classe artística retribuir. E atores e cantores, de fato, mostram-se empenhados na candidatura de Freixo à prefeitura do Rio, lançada nesta segunda-feira no Rio. O destaque do encontro foi Wagner Moura, o capitão Nascimento da ficção, que disse estar “totalmente aberto” a ajudar. Mas a adesão vai bem mais longe. Em carta, Ivan Lins, Luiz Eduardo Soares, Leonardo Boff e Frei Betto manifestaram apoio. Djavan, Chico Buarque e Caetano Veloso também já estão envolvidos na campanha. “Estou totalment

SAUDADES DO MARACANÃ- por José Trajano

Imagem
Havia uma espécie de ritual. Durante a semana, o encontro era num barzinho no Leme para traçar os planos para o domingo. Entre um gole e outro eram definidos o cardápio do almoço (com direito a entrada), a marca da cerveja (geralmente a Bohemia, que na época vinha mesmo de Petrópolis) e a sobremesa (quase sempre pavê de chocolate). Foi assim durante dezenas de domingos. Anos a fio. Eu, Zé Carlos, Calazans, Toninho éramos fixos. Dois ou três amigos menos assíduos completavam a turma que, como se fosse compromisso sagrado, se reunia na casa de minha mãe, Nilza, para o banquete dominical. O melhor, porém, estava por vir. Depois da mesa farta e de uma dúzia de cervejas, seguíamos para o Maracanã. A pé. O maior do mundo ficava a uma boa caminhada de casa, no Largo da Segunda-Feira. Às vezes, exaustos e empanturrados pela comilança, pegávamos um bonde, que podia ser o 63 (São Francisco Xavier) ou o 75 (Lins de Vasconcelos). O divertido era ir a pé, mexendo com os que pass