SAUDADES DO MARACANÃ- por José Trajano




Havia uma espécie de ritual. Durante a semana, o encontro era num barzinho no Leme para traçar os planos para o domingo. Entre um gole e outro eram definidos o cardápio do almoço (com direito a entrada), a marca da cerveja (geralmente a Bohemia, que na época vinha mesmo de Petrópolis) e a sobremesa (quase sempre pavê de chocolate). Foi assim durante dezenas de domingos. Anos a fio. Eu, Zé Carlos, Calazans, Toninho éramos fixos. Dois ou três amigos menos assíduos completavam a turma que, como se fosse compromisso sagrado, se reunia na casa de minha mãe, Nilza, para o banquete dominical. O melhor, porém, estava por vir.



Depois da mesa farta e de uma dúzia de cervejas, seguíamos para o Maracanã. A pé. O maior do mundo ficava a uma boa caminhada de casa, no Largo da Segunda-Feira. Às vezes, exaustos e empanturrados pela comilança, pegávamos um bonde, que podia ser o 63 (São Francisco Xavier) ou o 75 (Lins de Vasconcelos). O divertido era ir a pé, mexendo com os que passavam de ônibus ou de carro. Muitas vezes o pau quase quebrava entre nós e os torcedores adversários. Mas havia, entre os da turma, enorme solidariedade. Se o América não jogava – naqueles tempos o Ameriquinha mandava suas partidas no Maracanã –, torcíamos para o time da maioria. De um modo geral, a gente torcia ou para o América ou para o Flamengo, time do Calazans e de Faquito, por exemplo. Fim de jogo, nos abraçávamos. Se o time ganhasse, festa. Em caso de derrota, xingamentos até o último jogador do time deixar o campo. E a turma repetia o trajeto de volta a pé. Com direito a paradas num bar quase em frente ao Colégio Militar, para comer sardinhas, ou em outro, do Largo da Segunda-Feira, para jogar sinuca. Voltávamos para casa mais companheiros do que fôramos. Era a hora de tocar violão ou de ouvir LPs de jazz e bossa nova.



Dia seguinte, tínhamos que pegar no batente. Estava deserto e adormecido o gigante do Maracanã, como dizia Valdir Amaral, locutor preferido do pessoal, que também não podia viver sem os comentários de João Saldanha, companheiro de Valdir na Rádio Globo. Antes de pegar no sono, ficava deitado na cama revendo como num filme as imagens do jogo. Os gols do América, a vibração da torcida, os gritos do juiz, nossas caras de felicidade ali na arquibancada de cimento, pulando agarrados uns aos outros. Com o tempo a turma se desfez. O América também. Mudei de bairro e, mais tarde, de cidade. Nunca mais vivi um domingo como aqueles, regados a Coquille Saint-Jacques, que dona Nilza fazia como ninguém, copiando uma receita que conseguimos com o maître de um restaurante do Leme. Só o Maracanã permaneceu ali. Gigante. Pagaria o preço que custasse por um ingresso para poder ver, nem que fosse por uma única e derradeira vez, meu time campeão ao lado daquela turma. A dos domingos mais maravilhosos que tive em minha vida. Os domingos do Maracanã.


Trajano, meu jornalista predileto, assina alguns dos melhores momentos da Imprensa brasileira. É o sobrenome da ESPN Brasil, canal onde foi diretor de jornalismo por 17 anos. A carreira do homem que praticamente criou a emissora em 1995 começou a ser escrita entre os anos de 1963 e 1964, quando o menino de 16 anos começou a trabalhar no Jornal do Brasil.

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