Banzo- Capítulo 8


Capítulo 8


Eu nunca tinha conhecido a solidão até aquele dia.
O sol amanhecia carregado de uma esperança que não me aquecia. Ele parecia iluminar um pouco menos o mundo, e no entanto era o mesmo sol.
A notícia se espalhou rapidamente. Os mais velhos lembraram seus lendários quinze dias no mar no pequeno barco que era o Princesa. Os mais jovens duvidavam e se revezavam na praia entre apostas e ironias. Os barcos saíram na manhã e nada encontravam.
Eu estava só e confuso. Pela primeira vez não entendia o que pretendia meu irmão. Só me restava esperar.
E foi o que fiz.
Durante todo o primeiro dia fiquei na beira mar a espera de algum sinal. Esperava que ELA aparecesse também. ELA não veio. Quando a noite finalmente caiu o garoto que nos acompanhou na nossa pesca chegou trazendo-me comida e café quente. Permaneceu em silêncio enquanto eu comia. E em silêncio recolheu os restos e partiu.
Não dormi durante a noite. O vento rugia com ferocidade e aumentava o temor que sentia por meu irmão. Lembrava de todos os caminhos que trilhamos juntos e que nos traziam de volta ao nosso mar. E ainda buscava entender o sentido por trás de seu ato. O vento ficava mais feroz. Mas eu não sentia frio. Pelo contrário, algo secreto dentro de mim parecia me aquecer. Foi quando o sol se desenhava timidamente no horizonte que percebi que não era o vento que rugia.
Era eu.
Na manhã do segundo dia olhei o mar buscando acalmar a fera que finalmente se revelou dentro de mim. A fera adormeceu quando o sol tocou meu rosto. Olhei em volta. Aquela era a minha terra também. Dei as costas para o mar e andei sem pressa por ruas desertas e casas fechadas. Lembrava os cheiros, sons, cores e deliciosos sabores de minha infância e juventude. E sem nenhum pudor e nenhuma culpa, me senti feliz por estar de volta. O mar cuidava de meu irmão. Eu me descobria na ausência dele.
Voltei a praia e o garoto me esperava. Tinha o rosto preocupado.
"- Onde estava?"
"- Passeando. O que mais pode fazer um velho?"
"- E seu irmão?"
"- Em breve saberemos."
"- Saberemos o que?"
"- O que fazer."
Ele ficou confuso.E tudo começava a fazer sentido pra mim. Ele mudou de assunto.
"- Trouxe comida e café fresco.'
"Então vamos comer.' Disse com alegria abrindo um largo e tranquilo sorriso. O sorriso surpreendeu o garoto e a mim. Comemos, conversamos sobre pescas, mulheres e o que havia no mundo além do grande mar a nossa frente.
O segundo dia passava e o garoto permanecia comigo. ELA não vinha...Ainda. Mas sabia que viria. E então entendi que não era meu irmão que eu esperava.

Era ELA.
Eu esperei por ELA por todo o terceiro dia. ELA chegou ao cair da noite trazendo comida, um guarda chuva e poucas roupas. Tudo era tranquilidade nela, menos as mãos e os olhos fitando o chão. Enquanto comíamos eu a senti em uma imensa e desgastante luta íntima. Até que algo dentro dela finalmente cedeu e se libertou. E ELA nos deu com a voz calma o sinal que esperávamos.
"- Ele não vai voltar dessa vez."
E tudo ficou claro. Misteriosamente o garoto tomou a silenciosa decisão de pôr o barco na água e nos acompanhar. E vi que abraçar o mistério era o melhor a fazer.
O mar nos recebia com calma. Era um bom sinal.
Tudo mais era promessa.

Fim do capítulo 8
Continua

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

TEMPO E CONTA-Laurindo Rabelo

Dois primeiros blocos do debate

Homem rosa, mulher azul - Fabrício Carpinejar