BANZO - Capitulo 2


Meu irmão cantava.
Olhei-o com espanto. Desde o dia que partimos ele pareceu fazer um voto de semi-silêncio. Falava apenas o fundamental. Seu silêncio foi cuidadosamente cultivado ao longo de muitas décadas como uma flor rara de uma floresta obscura; e afastou suas inúmeras mulheres e seus inúmeros filhos de seu convívio.
E agora, sentindo a brisa úmida de seu mar, ele cantava.
Era uma música dos tempos de nosso pai que fazia sucesso nos bares dos pescadores. Ele olhava a tudo com malícia e inocência. E sorria. E rompendo de vez seu voto de silêncio ele relembrava com sabor e frescor histórias de nossa juventude. Em nenhuma ELA estava. Não o questionei. Estava por demais fascinado em ver esse seu lado secreto de contador de histórias. Éramos já velhos, e essa nova faceta aflorava pela primeira vez.
Uma nova primavera pode aparecer a qualquer momento em nossa vida.
E ouvindo me foi revelado mais um segredo que as palavras não diziam. Percebi que todas aquelas histórias que ele contava aconteceram antes ou depois de algum encontro com ELA. E que ELA, era o buraco, o vazio que ligava uma história a outra.
Meu irmão se calou.
Estávamos na beira do nosso mar. O Princesa ainda aparecia em nossas lembranças. Ficamos em silêncio durante muito tempo, deixando que as velhas lembranças desocupassem a nova vista que estava a nossa frente. Tudo mudou menos o mar. Sempre igual.Nunca o mesmo. Ele. O Mar.
"- Será que ELA está viva?"
Foi o que ele me disse depois do longo silêncio. E sua voz voltou a ter vinte anos. "- Sim,ela está". Foi o que pensei, mas o pensamento calou em minha boca. Tudo me era forte e intenso e me senti frágil pela primeira vez em anos. O Princesa não estava lá, e ainda sentíamos sua ausência.
Sob o sol, no princípio do mar que estendia a nossa vista para além de nós mesmos, a pergunta de meu irmão era respondida. Por um momento pensei ser mais uma lembrança o que via. Não era. Lembranças não envelhecem.

ELA estava lá.

Continua
próximo capítulo na quinta-feira


(Se alguém que leu, gostou ou quer fazer alguma observação, pode mandar um e-mail para Bruno: brunopeixotocordeiro@gmail.com.)

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