Banzo- Capítulo 4


Capitulo 4

Há cinquenta anos eu dormia meus sonhos de jovem pescador. O mar sussurava desejos, medos e tentações nos meus ouvidos. Minha alma aceitava os suspiros trazidos pelas ondas e desenhava meu sonhar inquieto com imagens de quereres proibidos e ardentes. O mundo e os que sonhavam nele pareciam repousar em oceanos mais tranquilos.
Nem todos.
Uma onda mais forte quebrou na areia. Um vento forte e úmido invadiu meu rosto e meus sonhos. Acordo a tempo de ver meu irmão saltar a janela rumo a escuridão.
Foram muitas noites de fugas escondidas e muito dias dormindo nas redes de pesca estendidas na sombra do entardecer.
Meu irmão vestiu sua alma de encantamento. e encantado como estava, encantou. Até os peixes pareciam escolher a sua rede para serem pegos.
Em uma mudança de lua a maré virou e sua alma vestiu outras cores. Suas noites eram regidas por lamentos abafados e choros incontidos. Durante os dias contemplava o mar com tristeza.Quando saíamos para pescar trazia do mar apenas o essencial para o sustento da família e as lágrimas escorriam livremente enquanto remava, e secavam demoradamente debaixo do sol.
Nunca me falou nada. Nem eu perguntei. Não era preciso. Enfrentamos esses dias e noites despidos de qualquer palavra inútil, abraçados a uma poderosa e silenciosa cumplicidade.
O tempo se arrastava e trazia novas preocupações.
Em uma noite, meu irmão saiu sozinho para o mar. E não voltava. Passávamos dias e noites em vigília. Saí muitas vezes para o mar em companhia de meu pai e dos pescadores mais experientes. Nenhum sinal dele. Nossa mãe e as mulheres se revezavam na vigília e nas rezas.
Foi quando eu percebi ELA pela primeira vez. Sempre atenta na areia da praia a cada movimento no mar ou na terra.Em um dos meus retornos na busca por meu irmão ELA se aproximou de mim, e percebendo minha desesperança me disse
"- Não se preocupe.O mar nunca vai trair seu irmão. ELE já deve estar voltando."
Falou isso com uma tranquilidade que traía por um momento sua habitual inquietação.
Meu irmão ficou quase quinze dias no mar, no pequeno barco chamado Princesa que ele nunca deixou de amar. Voltou como se nada tivesse acontecido com o barco repleto de peixes, alguns de praias distantes das nossas. E um enorme cação que nenhum pescador viu tao grande.
ELA estava lá, e em meio a festa e os abraços eu vi ELES se olharem como se fossem os únicos a deixar a marca dos seus pés na areia da praia. E eu soube que o encantamento voltaria.
E assim foi. Todas as noites.
Meu irmão voltou com apetite renovado pela vida e se deixou viver como nunca. Em uma quase manhã ele remava rumo ao amanhecer e eu preparava a rede. Sentindo o sol ainda suave no rosto e um acalanto tranquilo do mar, ele pemitiu que seu espírito tomasse a forma de palavra e me contou toda (ou quase toda) maravilha que vivia. O nome dELA e os momentos que viviam juntos eram como uma flor, uma fruta saborosa nos lábios de meu irmão.

...

Cinquenta anos depois ELES se olhavam novamente como se seus pés fossem os únicos a marcar a areia da praia.
E tudo mais se tornou silêncio naquele momento.
Bruno Peixoto
Fim do capitulo 4

Continua

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