Desprezo à cultura em Cabo Frio

O que seria de uma cidade ou de um país sem a cultura??Se aqui em Campos, boa parte da população se revolta com a polêmica das estátuas que hoje estão em um estacionamento, em Cabo Frio, uma das mais importantes representantes da classe cultural da região, a escritora Silvana Lima, escreveu na semana que passou, uma carta aberta ao prefeito de Cabo Frio, Marquinho Mendes, que numa atitude no mínimo infeliz, extinguiu a secretaria de cultura daquela cidade:

"Exmo Sr Marcos da Rocha Mendes

Na semana passada a sociedade de Cabo Frio recebeu, através da imprensa local, informações sobre o novo secretariado que assumirá o governo da cidade, juntamente com V.Exa., a partir de janeiro de 2009. A diminuição do número de Secretarias e Autarquias anunciadas e, conseqüentemente, a redução dos gastos públicos num momento em que o país e o mundo vivem uma crise econômica, foram exemplo de austeridade e nova visão de governabilidade.

No entanto, fui surpreendida com a notícia de que a Secretaria de Cultura estará, a partir de 2009, fundida à Secretaria de Turismo e de Esporte. Tal decisão motivou-me a escrever e-mails para os “fazedores” de arte e cultura desta cidade (cerca de 200 pessoas e 30 entidades) além de redigir este documento onde manifesto minha insatisfação com o ato de V.Exa, que considero arbitrário e autoritário. Tomei a liberdade de usar, democraticamente, meu direito de cidadã ligada às atividades culturais da cidade para enviar a V.Exa o presente documento onde tento, humildemente, convencê-lo sobre a importância de uma Secretaria de Cultura autônoma, numa cidade cuja atividade cultural só não é uma das principais por falta de investimento político nesta área.

Apesar do conceito de cultura ser bastante complexo, entendo-o, muito particularmente, como um dos bens mais importantes do ser humano porque é a cultura responsável pela construção da nossa identidade e fundamental para a compreensão de diversos valores morais e éticos que guiam nosso comportamento social. Assim, as manifestações culturais de uma determinada sociedade devem ser preservadas para que aí também se preserve o indivíduo.

Entendo que a cultura serve para vivermos melhor. Não para sermos mais virtuosos. Ou sabedores. Mas para nos identificarmos, conhecermos nossas raízes e para nos situarmos como cidadãos de determinado tempo e espaço; serve para nos apropriarmos dos nossos saberes e nos orgulharmos das diferenças porque elas nos enriquecem redimem os males inevitáveis da nossa condição humana.

Entendo que a cultura está para um povo assim como o pão está para o homem. Entendo que um povo sem cultura é um povo sem memória, sem razão de existir.

É muito triste Exmo Sr. Prefeito, quando culturas são esquecidas, transformadas, ignoradas, mutiladas; é triste quando um povo não pode contar sua história, falar sua língua, viver suas tradições.

É triste quando assistimos manifestações artísticas e culturais da nossa cidade sendo esquecidas e/ou desvalorizadas por falta de uma política eficiente voltada para a proteção, a conservação e a revitalização do nosso patrimônio; é triste quando não vemos o apoio às atividades culturais de modo a incentivar a produção das artes plásticas, da música, da literatura, da dramaturgia, do teatro, da dança, o cinema, da fotografia, a preservação dos bens simbólicos da cultura popular; é triste quando sabemos que a verba da cultura não é gerenciada com transparência e não está a serviço da produção cultural local valorizando-a e promovendo-a. Insisto ainda Exmo Sr. Prefeito, que é muito triste não ter presenciado, em 12 anos de Secretaria de Cultura, a potencialização do trabalho cultural, dando vazão à dinâmica própria dos artistas da cidade, estimulando a exploração, o uso e a apropriação das linguagens artísticas, valorizando a experiência local e as ações já desenvolvidas pelas comunidades, ampliando o repertório cultural das mesmas e incentivando o fazer e a criatividade local.

Com este sentimento de tristeza, mas, com uma profunda esperança de que a Secretaria de Cultura ganharia novo olhar de V.Exa., recebi a também triste notificação de que ela será fundida a mais duas Secretarias, perdendo assim sua autonomia e sua estrutura organizacional e administrativa, ficando subordinada a um Secretário que encampará mais duas pastas igualmente grandiosas: turismo e esporte.

Essa ação nos parece um retrocesso.

Lutamos por uma Secretaria e Cultura, “ brigamos” pelo direito de não sermos apenas um departamento na Secretaria de Educação (onde, comumente só éramos atendidos depois que todos os gastos eram efetuados com a educação – cerca de 99% da verba), fomos às rádios e aos jornais, assistimos inúmeras reuniões na Câmara Municipal, discursamos, apresentamos propostas, e, finalmente, conseguimos a aprovação da Secretaria e, com uma classe artística unida e representativa (à época), indicamos o Sr. Milton Alencar para nos representar.

Infelizmente, estávamos criando uma Secretaria para apenas um Secretário (que assumiu e nunca mais saiu) e realizou um trabalho tão ínfimo a ponto dela ser extinta sem que outras pessoas pudessem mostrar um trabalho digno, transparente e voltado para a nossa realidade, soliificando-a.

Encerro este documento lembrando ao Sr. Prefeito que a criação da Secretaria de Cultura não foi uma benesse, um presente do governo da época; ao contrário, foi uma luta política da classe artística assim como foi a construção e o término da obra do Teatro Municipal, assim como foi a criação do Corredor Cultural, assim como foram tantas outras iniciativas culturais desta cidade.

Encerro este documento com um sentimento de que tudo que construímos ao longo e 30 anos e trabalho cultural na cidade fica à mercê de interesses políticos e da caneta do Executivo que, muitas vezes, não tão bem assessorado, comete o deslize de governar sem ouvir a sociedade.

Encerro este documento, que segue “assinado virtualmente” por centenas de pessoas e dezenas de entidades na esperança de que V. Exa. Receba em seu gabinete uma Comissão formada por artistas e fazedores de cultura da cidade para uma explanação mais específica sobre a importância da manutenção da Secretaria de Cultura em nossa cidade.

Silvana Lima.

Professora, Diretora de Teatro, Fundadora do Grupo Creche da Coxia .

Premiada pela Editora Melhoramentos (Prêmio Ziraldo de Literatura) 2000;

Premiada pela Academia Brasileira de Letras em outubro de 2002 .

Premiada pela FUNARTE em dezembro de 2005 .

Autora do espetáculo A FLOR O CERRADO, em cartaz no Teatro Ziembinski – Tijuca/RJ (novembro e dezembro de 2008) .

Autora de CARROÇA DOS SONHOS que conquistou 28 prêmios em 4 Festivais Nacionais de Teatro apenas em 2008. "

Depois de quatro dias circulando pela internet, o manifesto de Silvana já tem uma repercussão muito positiva. Ela nos conta que já recebeu o apoio de entidades como a Federação Nacional de Teatro de Rua e do Centro de Pesquisa de Teatro Infantil, entre outros. Espera-se que o prefeito reeleito reveja a posição, e trate a cultura local da maneira que realmente merece. Cabo Frio tem um história de conquistas neste sentido e seria um retrocesso sem tamanho tal atitude.

Comentários

Anônimo disse…
Moro em Cabo Frio e sou mais uma a lamentar. Cabo Frio tem sua história e juntar cultura com esportes é uma total fata de respeito com quem ama de verdade nossa cidade.
Anônimo disse…
Acho que Marquinho quis com a atitude julgada pelo senhor como infeliz, respeitar a população de Cabo Frio e frear um pouco os gastos. É fácil falar ou criticar não fazendo parte da equipe ou do processo.Quando um governante extigue secretarias e tenta economizar recebe críticas. A cultura realmente não pode ser desprezada, mas acho que temos outras prioridades. Fui eleitor do atual prefeito e tenho muito a me orgulhar.
Anônimo disse…
Calma gente!!!
Alair vai voltar para botar ordem na casa!!!!!!!

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